sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Triatlo – Desporto Individual?


Há cerca de dois meses li um post (What’s an Individual Sport de 11 Maio de 2008) no blog do Paulo Sousa (http://www.thetriathlonbook.blogspot.com) sobre este tema. Achei-o muito interessante. A sensação que tive foi de “deja vue”, tipo, isto é exactamente o que penso do tema, mas nunca o tinha visto estruturado daquela forma. Fez-me todo o sentido.

O post está relacionado com o conteúdo de outro post publicado no site do Paul Trichelaar (http://ptichelaar.blogspot.com/2008/05/great-ride-this-morning.html), atleta que faz parte da selecção Olímpica Canadiana.

Basicamente, o Paul Trichellar descreve um treino de conjunto que tinha tido, no qual tinha conseguido levar o corpo a um nível, que jamais teria conseguido a treinar individualmente.

A partir desta base, o Paulo Sousa pretende realçar a importância de se treinar (neste caso ao nível da Elites) com outros atletas que têm os mesmos objectivos e as mesmas ambições para se evoluir.

E nesse sentido, realça a forte componente colectiva da modalidade. (e de muitas outras modalidades que se consideram individuais).

Eu próprio, apesar do “envelhecimento”, sinto que com as mesmas horas de treino, se estivesse inserido num grupo de treino, conseguiria melhorar os meus resultados.
E isto é verdade para as três modalidades.

Ultimamente tenho feito isto na corrida. Tenho treinado duas vezes por semana com um grupo que está a preparar a Maratona de Amesterdão (19 de Outubro). Correr com atletas que correm 120 a 140km/semana e que têm como marcas à maratona entre 2h35m e 3h, faz toda a diferença.

É verdade que existe o reverso da medalha. Eu corro 40km/semana e especialmente nos treinos “duros”, tenho que saber onde está o meu limite, para não me lesionar ou fazer mais do que devo.

E o treino de conjunto é igualmente mais indicado no período de preparação específica. Nas ultimas 6 a 8 semanas antes da competição principal. É nesta fase que faz toda a diferença para obter os estímulos necessários para melhorar o rendimento.

Como nota, o Paul Trichelaar foi 28º nos JO de Pequim.
O seu companheiro e colega de treino Simon Whitfield foi 2º. Tinha sido medalha de Ouro em Sidney e 10 em Atenas.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

BRUNO SILVA: IRONMAN FINISHER




Zurique, 13 de Julho de 2008. Já passava da meia-noite e pouco sono tinha. Só pensava no desafio que tinha pela frente. A poucas horas da prova passou-me pela cabeça não participar e passar o dia a visitar os monumentos da cidade com a minha mulher. Não, não estou a brincar… A preparação não tinha sido a desejada, faltaram muitos kms e a confiança reflectia isso mesmo.
Neste momento mais difícil pensei nos que me querem bem, na minha família e amigos e decidi que mesmo sem a preparação adequada iria fazer tudo por tudo para chegar à meta.
Quando o despertador tocou às quatro da manhã teria dormido no máximo um par de horas. Comi uma banana e uma tigela de Nestum que trouxe de casa (nestas alturas não convém arriscar…) e antes das 5 já percorria as ruas de Zurique, a caminho da zona da prova. Ainda o Sol não se vislumbrava no horizonte e já pelas ruas de Zurique os participantes se dirigiam ao centro do evento, apesar da chuva que caía. Vinham de todas as direcções. Tal como eu, quase todos traziam na mão a bomba para encherem os pneus, uma mochila com o material para a natação e o capacete, devidamente acompanhados pelas respectivas caras-metade. Devem imaginar o quanto importante é ter alguém que significa tanto para nós ao nosso lado naquele momento.
Cheguei ao Parque de Transição (PT) para preparar todo o material com tempo e sem necessidade de pressas. No dia anterior havia feito apenas o check-in da bicicleta, que ficou coberta por um plástico fornecido pela organização a todos os participantes, para proteger as bicicletas da chuva constante que caiu na véspera, iria cair durante toda a noite e que só pararia quando já me encontrava na segunda volta do segmento de ciclismo.
Mas voltando atrás, lá deixei o PT, depois de tudo preparado e de ter coberto novamente a bicicleta pois chovia copiosamente, desta vez com a bandeira portuguesa por cima do plástico para reconhecer o meu lugar no meio daquele enorme PT, onde a esmagadora maioria das bicicletas se encontravam cobertas. Umas últimas palavras de incentivo a alguns dos triatletas portugueses que ainda estavam a finalizar os últimos detalhes e dirigi-me para a zona de partida, já com o fato de natação vestido e com a Carla ao meu lado a filmar a minha caminhada até lá. Faltavam poucos minutos para a partida…
Depois de um beijo de boa sorte bem diferente dos das outras provas, furei por entre o muito público que, mesmo à chuva e àquela hora manhã, não quis perder aquele momento fantástico que é a partida de um Triatlo com quase dois mil participantes. Um curto aquecimento na praia e dirigi-me para a linha de partida, que, ao contrário dos anos anteriores, era dentro de água, a uns 100/150 metros da praia. Desloquei-me para o extremo direito da linha de partida onde o aglomerado de triatletas era menor. Alguns momentos depois de ter lá chegado deu-se a partida.
“Estou a participar num Triatlo Ironman.”, foi o meu primeiro pensamento.
Ao me ter deslocado para um dos extremos consegui nadar mais solto e sem atropelos se bem que tivesse de percorrer uma distância maior. Imprimi o meu ritmo e as coisas correram bem. As viragens foram algo de assustador, principalmente a primeira onde apenas a bruços e muito lentamente se podia sair de um verdadeiro engarrafamento, felizmente toda gente manteve a calma e lá se passou. Só a última consegui passar a crol e sem perda de tempo, ao fim de mais três mil metros de prova. O fim da primeira volta também foi algo caótico pois o canal onde finalizava o segmento de natação era algo estreito e na primeira volta ainda havia grandes aglomerados de triatletas dentro de água. No final da segunda, como seria natural, já as coisas foram mais suaves. A primeira transição estava aí. “A parte fácil está feita. Venha a dureza”: pensei eu.
Depois de uma transição normal onde apenas coloquei um corta-vento sem mangas, que apenas por acaso tinha levado, para me ajudar a proteger da chuva e do frio, iniciei o segmento de ciclismo.
Os primeiros 30 kms eram completamente planos e serviam para estabelecer o ritmo de prova. As ultrapassagens sucediam-se mas a diferença de andamento não era tão grande como temia, até porque os melhores ciclistas já estavam lá muito para a frente.
Após o primeiro abastecimento, o percurso endureceu mas nada que não se fizesse. Eu até gostava, pois assim as ultrapassagens eram menos agressivas… mas ao ver os andamentos que muitos utilizavam em subidas com médias superiores a 10% deixava-me a pensar o muito que terei de treinar se um dia quiser chegar àquele nível.
Apesar da chuva muitas pessoas não deixavam de sair de suas casas para nos aplaudir e dirigir palavras de incentivo. Considerado por muitos, o percurso mais bonito de todos os Triatlos Ironman, só comparado com o de Nice, foi sem dúvida uma experiência fantástica assistir a tanto público a apoiar os atletas com um fervor impossível de experimentar no nosso país. Na famosa “Heartbreak Hill”, uma subida curta mas duríssima perto do final do percurso, era tanto o público na estrada a vibrar com a prova que as ultrapassagens eram arriscadas pois apenas deixavam espaço para passar um ciclista de cada vez. Quando cheguei ao cimo a vontade que tive foi de voltar para baixo e fazê-la de novo. A sério, ambientes daqueles só vi na televisão nas grandes provas velocipédicas. Mas como ainda faltava muito e teria de a subir novamente mas desta vez com mais 90 kms nas pernas optei por seguir…
Se a primeira volta foi percorrida a uma média bem perto do 30 kms/h, na segunda a história foi bem diferente. Com o acumular dos kms, o cansaço ia aumentando e a falta de treino ia-se reflectindo na velocidade a que rolava. Era notória a maior dificuldade que tinha em ultrapassar as partes mais duras do percurso e a partir dos 140/150 kms foi mesmo muito complicado. Já não conseguia colocar-me nos extensores por mais de 30 segundos pois logo tinha fortes picadas nas costas. As pernas já não tinham força e na última hora do segmento de ciclismo, qualquer que fosse a posição em cima da bicicleta tinha muitas dores. A poucos kms da 2ª transição novamente com a duríssima subida pela frente, cerrei os dentes trepei por ali acima com todas as forças que ainda me restavam. Aliviado por chegar a topo, nos restantes kms imprimi um ritmo suave e de mentalização para o que restava da prova. Estava muito desgastado, com muitas dores e sabia que tinha ainda momentos de grande sofrimento pela frente.
Mais uma transição normal, apenas com troca de meias, e lá comecei a correr. Estava decidido a correr o máximo de kms possível sem parar pois sei o quanto isso é determinante para o resultado final. Tinha parado de chover e se havia muito público junto à estrada no segmento de ciclismo com um tempo nada convidativo, então num segmento de corrida, já com tempo seco, que percorria as ruas de Zurique e onde as pessoas podiam assistir às várias passagens dos atletas que tinham de completar as quatro voltas ao percurso, pude contar com o apoio de dezenas de milhares de pessoas para enfrentar a maratona. Cada dorsal tinha o nome do participante e o público não regateava apoio: “Hop! Bruno!”, “Super! Bruno!” em alemão ou “Looking good Bruno!, “Doing great Bruno!” em inglês foram os mais comuns dos muitos e importantíssimos incentivos que recebi. Claro que os que mais força davam era o “Força Bruno” que tanto a Carla como o restante grupo de portugueses, que se juntaram para dar apoio aos triatletas lusos, gritavam a cada passagem. E em momentos de extremo cansaço e muita dor, a visão da nossa bandeira dá-nos o estímulo que precisamos para aguentar um pouco mais e continuar a sofrer.
E foi naquele ambiente absolutamente maravilhoso que corri. Os kms foram passando lentamente e, embora as dores fossem muitas, iam sendo suportáveis.
À terceira volta o cansaço era tanto que quase não conseguia correr. O esgar de sofrimento era tal que as pessoas que assistiam à prova, à minha passagem ainda aplaudiam e gritavam mais.
Precisava de energia e optei por andar quando passava pelos principais postos de abastecimentos. Comi coisas que nunca me passou pela cabeça comer em plena prova, desde pretzels a frutos secos, até bebi Red Bull. Foi a volta mais difícil e claro, a mais lenta. Quando entrei para a última volta as dores e o cansaço não desapareceram, pelo contrário, mas a força e o espírito de sacrifício para as enfrentar estavam mais fortes do que nunca pois via a meta cada vez mais perto. No último retorno junto à meta apontei para o corredor que todos os que iniciaram a prova desejavam percorrer. Era o sinal de que faltava pouco para cumprir este meu sonho. A última volta foi uma estranha mistura de sofrimento mas também o saborear dos últimos kms da prova. Quando recebi a última pulseira e completei a “colecção” de quatro foi uma enorme alegria e mais uma injecção de força e energia. O público ao ver que já tinha todas as pulseiras e que me encontrava na última volta a um ritmo aceitável, festejava efusivamente. “Great job Bruno!”, “You´re almost there!” além dos muitos “Hop! Bruno! Super!”.
Ao entrar nos três últimos kms deixei de ligar às dores. Pela primeira vez desde que tinha começado a correr olhei para o relógio e vi que ia para um tempo abaixo das doze horas. Não podia ser melhor. Aumentei um pouco o ritmo dentro que era possível, e se bem que era o menos importante ganhei várias posições nesta altura, enquanto ia cumprimentando o público que me dava os parabéns pela prova que tinha feito, inclusive uns americanos, que fizeram uma grande festa à minha passagem, porque ia conseguir terminar “…under twelve!”.
Quando entrei para o corredor que levava à meta senti-me literalmente no ar. As dores desapareceram e a minha felicidade era total. Pensei em todos aqueles que contribuíram para aquele momento tão importante e significativo para mim.
Tinha terminado um Triatlo Ironman!
A emoção de cortar aquela meta é absolutamente indescritível. Uma alegria tremenda e infindável.
Ao cortar aquela meta parece que deixamos de ser homens e mulheres como os outros. Aquela medalha e aquela t-shirt tornam-nos diferentes.
Ao entrar na área denominada “Jardim dos Atletas” senti-me como se tivesse entrado numa irmandade, num clube de acesso restrito, o Clube dos Ironman Finishers. Todos aqueles homens e mulheres tinham superado este duro desafio e a alegria era visível nos seus rostos.
Infelizmente passados poucos momentos voltei à realidade e as dores não tinham desaparecido, apenas estavam esquecidas. O frio fazia-se sentir naquele fim de tarde em Zurique e não conseguia parar de tremer. Com muita dificuldade tomei banho (de água fria para ajudar…), para aquecer, estive alguns minutos no jacuzzi e até deu para trocar algumas impressões com uns triatletas ingleses. Um deles tinha recebido uma penalização de seis minutos por deitar lixo (Ex. papel das barras e gel) para o chão durante o segmento de ciclismo (havia zonas demarcadas para o efeito). Outras culturas…
Só depois disto tudo consegui encontrar-me novamente com a minha mulher e foi com muita emoção que o fiz. Sem ela nada disto seria possível e devo-lhe muito por ter conseguido concretizar este sonho.
Voltei para a zona dos atletas para ser massajado e para gravar na minha medalha, o meu nome e tempo de prova (final e parciais) para só depois dirigir-me ao PT para levantar a bicicleta.
Ao caminhar para a zona onde apanharia o “tram” para o centro de Zurique pude observar vários triatletas cuja prova ainda decorria. Não posso deixar de reconhecer o imenso valor daqueles que com menos treinos e preparação, às vezes com idades muito avançadas não deixam de enfrentar este desafio mesmo que para isso passem muitas horas em prova, todos são Ironman Finishers, terminem com nove, doze ou quinze horas, e a alegria e a emoção que cada um tem ao cruzar a meta é prova disso mesmo.
Uma palavra para a organização: espectacular. Todos os pormenores salvaguardados e uma atenção e simpatia para com os participantes acima de qualquer reparo. Uma logística verdadeiramente impressionante. Só foi pena o tempo menos bom que se fez sentir, mas que parece tem sido regra em muitos dos triatlos Ironman este ano. Um dia voltaremos lá, com certeza, mas de preferência com melhor tempo.
Ao chegar ao hotel era tempo de telefonar àqueles que aguardavam por notícias da minha prova se bem que a maioria ia sendo informada pelo meu irmão que seguiu toda a prova pela internet e divulgou a notícia da minha conquista em primeira mão. Não pude contactar todos pois fiquei sem saldo no telemóvel. Maldito roaming…
Um banho de imersão e um chá fizeram maravilhas pois as dores estabilizaram num nível “suportável”… nos dois dias seguintes pouco melhoraram.
Antes de adormecer, não deixei de assistir ao resumo de uma das etapas mais duras do Tour de França. Mas desta vez era diferente das outras...
Agora eu era um Ironman Finisher!